Pela primeira vez foi exibido para o público o curta metragem CAFÉ TURCO no FESTIVAL DE CINEMA DE PAULÍNIA e a aprovação dos espectadores foi imediata!
RODRIGO FELDMAN (ator e roteirista) e THIAGO LUCIANO (diretor e roteirista) e sócios da produtora ZERO GRAU, juntamente com KADI MORENO, nos cederam uma ótima entrevista que você lê a seguir!
CINEMA E PIPOCA: Conte-nos um pouco sobre a produtora Zero Grau Filmes.
RODRIGO FELDMAN- A Zero Grau Filmes surgiu há um pouco mais de um ano, mas na verdade já tem muito mais história do que isso. Começou quando os diretores Thiago Luciano e Beto Schultz se uniram para realizar o curta metragem “O poder e a Fé” há mais de 10 anos. A parceria deu certo e realizaram outros projetos juntos. Um destaque foi o longa metragem “Um Dia de Ontem”, escrito pelo Thiago e protagonizado por Caco Ciocler, ganhou diversos prêmios no Brasil, Estados Unidos e Europa. Daí surgiu a vontade de crescer ainda mais, criando sua própria empresa de criação e produção audiovisual. Estavam trabalhando com a atriz Kadi Moreno, no desenvolvimento de um projeto para o cinema e viram que dali poderia surgir uma ótima parceria e a convidaram para esta nova empreitada. Eu já os conhecia e havia trabalhado diversas vezes em projetos anteriores, sempre gostei do trabalho e potencial da dupla. Também tinha chegado há pouco tempo ao Brasil após 4 anos de estudos na Europa. Quando me convidaram para fechar o time, aceitei na hora.
CINEMA E PIPOCA: Quando e como surgiu a idéia do curta-metragem CAFÉ TURCO?
THIAGO LUCIANO - O Rodrigo Feldman, meu amigo e sócio, trouxe uma peça teatral da França. Um dia resolveu me mostrar um roteiro que fez inspirado na peça. Quando li, ainda não estava pronto, mas entendi exatamente o que ele estava querendo dizer e vi ali uma grande discussão sobre o medo que atinge o mundo. No mesmo instante, disse, vamos abraçar esse filme. Eu entrei no roteiro para acrescentar idéias e deixá-lo mais cinematográfico. A partir dai começamos a pré-produção.
RODRIGO FELDMAN - Pois é, na verdade eu tinha escrito CAFÉ TURCO há mais de 3 anos, mas não consegui alguém que comprasse a idéia e investisse em produzi-lo. Na época, trabalhava na tradução de uma peça que tinha dirigido e atuado durante meus estudos na França, Terra Santa, do autor argelino Mohamed Kacimi. Vi a possibilidade de criar um roteiro em cima daquela idéia, baseada em um tema e gênero pouco explorado no nosso cinema e teatro: a guerra. E o que me chamava mais atenção era justamente o fato de tratar de um viés diferente do qual estamos habituados a ver. O cotidiano vivido por pessoas, uma guerra universal, não era só vivida no Afeganistão, Iraque, Africa... O conflito era dentro do ser humano, não sendo tão diferente da guerra não declarada que vivemos por aqui. Queria tratar daquela assunto, infelizmente sempre atual, mostrar o cotidiano daqueles que já se habituaram a viver em conflitos armados mas continuam suas vidas normalmente. Dá pra ver que não difere muito do que vemos nas favelas brasileiras, até mesmo nos nossos centros urbanos, onde o medo impera e sobreviver se tornou regra. Viver, luxo para poucos.
CINEMA E PIPOCA: CAFÉ TURCO tem uma linguagem e uma fotografia que são vistos mais em filmes internacionais. Isso sempre estava no contexto de vocês ou surgiu ao longo da edição?
THIAGO LUCIANO - Conversei bastante com o David, diretor de fotografia e como já trabalhamos antes em outros filmes, sempre falamos a mesma língua. Ele captou bastante a linguagem que imaginei, assim como a Marina, diretora de arte. Tínhamos que criar uma atmosfera neutra, um lugar inexistente, essa era a maior preocupação. O filme foi feito com a 5D, que tem a característica de uma imagem limpa e bonita e não queríamos isso. O David foi pra correção de cor pra deixar um pouco mais denso. Estamos passando o filme pra película, e estou ficando feliz com a densidade e textura que o filme esta ganhando. A escolha da câmera na mão foi essencial pra trazer o publico pra dentro do filme. A câmera começa calma, e vai aos poucos buscando os personagens e crescendo junto com eles até o fim. Tudo foi planejado antes pra que na hora da gravação ficássemos aberto ao momento mágico. E posso dizer, que tivemos alguns. O mais interessante em dirigir é se cercar de artistas criativos e talentosos, e que estejam imaginando a mesma coisa que você . Tenho me cercado desses artistas, dai fica fácil, é só conduzir tudo pra que saia como imaginou.
RODRIGO FELDMAN - Mas também sempre temos que aprender a trabalhar sabendo que mesmo planejando o máximo possível, nem sempre as coisas saem como desejamos. A maior dificuldade de todo diretor e produtor é aprender a lidar com isso, dar um jeito para que no final tudo dê certo. O Thiago soube muito bem lidar com isso, já que muito das ações e falas do filme foram criadas durante o set, já que ele soube nos deixar livres para sentir o que o personagem pedia além do que estava no papel. A Kadi (que interpreta Kya no filme) e eu nos preparamos e discutimos muito, porém muita coisa apareceu no momento que o “ação” foi dado, com figurino, armas e naquela locação maravilhosa. Se o Thiago não tivesse a confiança de saber exatamente o que queria, poderia ter cortado, perdido muita coisa legal que surgiu lá. Mas seguiu seguro e nos deixou livres para criar dentro do que tínhamos estabelecido. Foi um prazer e honra enorme trabalhar com ele, já que poucos diretores possuem essa segurança e capacidade de permitir a livre expressão dos artistas criando além do que estava previsto no roteiro.
CINEMA E PIPOCA: Qual a maior dificuldade na hora de tirar uma idéia dessas do papel?
THIAGO LUCIANO - Era falar sobre um assunto distante de nós. Falar sobre a guerra, sem falar sobre ela, sem levantar nenhuma bandeira, nenhum país. Discutimos muito sobre a língua a ser usada no filme. Não poderia ser falado em português. Pensamos em criar um dialeto, pra não levantar bandeira, mas escolhemos um personagem falar em francês e o outro em inglês. O filme é uma fração de um cotidiano na guerra. Uma guerra invisível, que se vive em todos os lugares do mundo. É sobre um soldado que vê uma mulher com um pacote nos braços e resolve segui–la e no ambiente onde ela mora se inicia uma discussão. Ele é falado em francês e inglês propositadamente. Temos a intervenção do russo, japonês e o café é turco. Uma brincadeira com algumas potências da guerra, mas sobre um sentimento que todos têm, em qualquer lugar.
RODRIGO FELDMAN - No personagem do soldado, a dificuldade era em não julgar. Resgatar no típico carrasco seu lado mais puro, humano. Além disso, ia trabalhar o personagem de um soldado real. Precisava de um físico e treinamento específico que não tinha. Para piorar, tínhamos pouco tempo do momento que decidimos realizar o curta e as filmagens. Tive que fazer uma preparação intensa de treinos físicos e práticas com armas e técnincas de invasão que os soldados tem. Se parecesse artificial qualquer gesto, fala ou ato do soldado, toda credibilidade seria perdida rapidamente. Era uma imensa responsabilidade.
CINEMA E PIPOCA: Quanto tempo duraram as filmagens e existiram alguns percalços durante este período? E onde foram as locações?
THIAGO LUCIANO - As filmagens foram rápidas, ate porque não tínhamos verba pra fazer varias diárias. Foram três diárias, claro que gostaria do dobro disso. No inicio fizemos contato com produtoras de Kiev na Ucrânia. Porque vimos algumas locações lá que eram perfeitas pra nós, mas ficou difícil viajar pra lá e não tínhamos verba pra isso. Então começamos a caçar locações aqui no Brasil, mais especificamente São Paulo, pra não encarecer a produção. Pesquisando no Google, achei a Vila Maria Zélia, no Belenzinho e marcamos uma visita com Seu Dedé. Na hora que entramos em um espaço abandonado, fechamos na hora, aquilo ali era perfeito com o que imaginamos. A Marina Previato foi junto e já começou a pirar na arte que iria montar ali. O mais interessante de um filme, é que ele vai crescendo sozinho, você só tem que segurar as rédeas e deixar fluir. O Fausto Noro, que é diretor e já montou outros filmes comigo, fez um trabalho muito bacana na montagem, propondo cortes descontínuos e passagem de tempo. Sempre acrescenta na minha visão.
CINEMA E PIPOCA: Além do Festival de Cinema de Paulínia 2011, participaram de mais algum festival? Se sim, quais?
THIAGO LUCIANO - O filme estreou em Paulínia, ele está saindo do forno agora. Foi a primeira vez que vi na tela grande e não foi fácil. O primeiro contato do filme com o publico é muito marcante, nunca sabemos se aquilo vai atingir alguém. E quando ouvi que o júri popular tinha escolhido o CAFÉ TURCO, foi o carimbo de que ele tinha chegado ao publico. E agora começamos a mandar para outros festivais, vamos torcer para que tenha uma carreira bacana.
CINEMA E PIPOCA: Já têm planos para outros curtas-metrangens? Poderiam nos contar alguns?
THIAGO LUCIANO - Tenho alguns roteiros de curtas-metragens. Agora, estamos atrás de parceiros pra poder produzi-los. Vou colocar abaixo o titulo e a sinopse, pra ter uma idéia do que falam.
“Laranja Volúpia”
SHIRLEYA, um travesti do pobre bairro onde vive, trabalha em um minúsculo banheiro feito de compensado e objetos que encontra no lixo. Luta por sua sobrevivência transando com velhos e lixeiros, em troca de um pó, um x-tudo, ou algumas moedas. Ela quer e sonha com peitos turbinados e investe nisso. Junta o que tem e entrega sua vida nas mãos de uma senhora travesti que aplica silicone industrial nas mais novas.
“Quase Proveta”
Keila e Kilvia vivem juntas desde os primeiros anos de vida. Na adolescencia, fazem um pacto de sangue e prometem fazer de tudo para nunca se separarem. Kilvia conhece Mikael e se casam. A vontade de ter um filho cresce, e nesse meio tempo, Kilvia descobre uma doença que a impede de ter filhos. Agora, Keila tera que cumprir a promessa. Empresta sua barriga para que Kilvia tenha um filho. Porém estamos no ano de 1976, onde a inseminacao artificial ainda nao existe. De uma forma divertida e leve, abordamos a tão discutida “Barriga de Aluguel”.
“Liquido da Vida”
Acidentes no mesmo horário, o mesmo instante. Os dois vão para o mesmo hospital, Pedro no quarto 313 e Rita no 311. Apenas um quarto os separam, antes era uma vida inteira. Ele não pode mais andar e ela sofre de amnésia. Agora eles tem todo tempo do mundo pra se conhecerem e ficarem juntos. Esses são os protagonistas dessa história, onde a qualidade de vida, o tempo, o recomeço e o amor se encontram. Uma mistura que pode virar felicidade.
“Girassóis de Exógeno”
Estamos no ano de 2010. A policia está fazendo testes no aeroporto e colocando explosivos dentro da mala de nove passageiros, sem o consentimento deles. Um desses nove passageiros passa pelos cães e raio-x, nada acusa. Sua mala está cheia de explosivos. Imagine isso acontecendo com você?
CINEMA E PIPOCA: Já pensam em rodar longas metragens? Acreditam que essa transição é muito difícil?
THIAGO LUCIANO- Eu e meu sócio Beto Schultz já rodamos um longa-metragem: “Um Dia de Ontem”. Foi bacana a trajetória dele, ganhamos alguns prêmios pelo Brasil e exterior, mas não conseguimos distribuir, mas vamos lançar esse ano em DVD e também entra em cartaz a partir de agosto no Canal Brasil. Foi uma produção totalmente independente da nossa produtora, das nossas parceiras Na Laje Filmes e Luna Produções artísticas.
Fazer um curta da o mesmo trabalho de fazer um longa, mas são menos diárias e pouca grana. O mais difícil em um longa é conseguir investimento pra realizar.
Até o fim desse ano vamos ter dois longas pra correr atrás de patrocínio. E torcer pra até o final do ano que vem começar a rodar.
CINEMA E PIPOCA: Para finalizar, os atores tiveram alguma preparação especial para interpretar personagens tão complexos? Como foi esta construção?
THIAGO LUCIANO- A minha maior preocupação com o Feldman e a Kadi era que além de produtores e amigos, somos sócios, então tinha receio de como isso iria influenciar no decorrer do processo. Já conhecia o trabalho do Feldman como ator e sabia que ele ia chegar no que imaginava. Com a Kadi, fui descobrindo nas leituras e ensaios qual era o estilo dela. Como sou ator também, gosto de conversar, entender e deixar os atores muito livres pra criar e jogar a bola. A Kadi tem uma força interna em movimento que me deixou muito tranqüilo, sempre querendo fazer mais e mais, ela se jogou de cabeça no filme. O Feldman gosta de fazer na hora, é visceral, deixa tudo pro momento, gosto disso. Eles tiveram uma química muito forte, e é visível no filme. Chamamos o Marcio Mehiel pra trabalhar os dois fora dos nossos ensaios e sem a minha presença. Fizeram um trabalho muito interessante.
RODRIGO FELDMAN- Realmente existia um pouco essa preocupação da convivência diária como sócios e amigos atrapalhar na interpretação. Todos já tinham anos como profissionais na área, porém era nosso primeiro projeto juntos. Fora disso, éramos também produtores do filme e responsáveis por diversas funções. No final, conseguimos gerar sem muitos problemas o acúmulo de funções e transformar em algo positivo. Nossa intimidade e respeito, ao invés de atrapalhar, ajudaram na realização de uma comunicação eficiente, permitindo a todos explorar o máximo do potencial de cada um.
CINEMA E PIPOCA: Desde já agradeço imensamente a oportunidade de poder mostrar o trabalho de vocês no Cinema e Pipoca e aproveito para parabenizá-los por terem ganhado o prêmio de júri popular no Festival de Cinema de Paulínia!
RODRIGO FELDMAN- Nós que agradecemos pela oportunidade de falar um pouco desse filme para seus leitores, esperando que possam assistir em breve em algum Festival perto de vocês. Afinal, esse é o primeiro projeto realizado pela Zero Grau Filmes e pelo resultado que tivemos, esperamos ser apenas o primeiro de muitos. Também aproveitamos para parabenizar o apoio que o Cinema e Pipoca presta para nossa cultura e cinema brasileiro. Vida longa!